segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Resenha: Trash

Imagem: Reprodução/Adoro Cinema

Quando vi o trailer de Trash (Trash – A Esperança Vem do Lixo, Reino Unido/Brasil, 2014), pensei na hora: é o Tropa de Elite 3 que eu espero há quatro anos. Não no sentido violento, é claro, mas no sentido de que é um filme que aborda a corrupção, favela, violência policial e que, no fim das contas, quer dar esperança às pessoas em relação ao mundo, principalmente no Brasil. Stephen Daldry conseguiu reunir grandes atores brasileiros e internacionais nessa jornada, tendo como resultado uma produção que, mesmo com alguns pesares em seus personagens e enredo, satisfaz o público com sua direção eletrizante, trilha sonora e três protagonistas espetaculares.

A história pode parecer um pouco confusa no papel, mas na verdade é bem simples. Nela, acompanhamos José Ângelo (Wagner Moura), funcionário de um político corrupto (Stepan Nercessian) do Rio de Janeiro, que encontra provas de sua corrupção e as esconde em um local bem inusitado, junto de milhões de reais que o homem havia roubado. Antes de ser pego pela polícia, ele joga sua carteira em um caminhão de lixo - esta com pistas para seu esconderijo – e ela vai parar nas mãos de três garotos no lixão: Raphael (Rickson Tevez), Gardo (Eduardo Luis) e Rato (Gabriel Weinstein). A partir daí, vemos os jovens tentarem solucionar o mistério da carteira e colocarem suas vidas em risco depois que o perigoso policial Frederico (Selton Mello) fica na cola deles. No caminho, eles ainda contam com a ajuda do padre Juilliard (Martin Sheen) e da professora Olivia (Rooney Mara), dois estrangeiros que vivem na cidade.

De longe, os destaques do longa são os jovens que interpretam os carismáticos garotos do lixão. Eles dominam seus personagens do início ao fim e dão performances sinceras e comoventes. Assistir à jornada deles na telona é extremamente contagiante e hilária na maioria dos casos, pois Daldry os mostra em situações nas quais eles têm a chance de exibir o lado infantil deles e o lado das dificuldades que enfrentam onde vivem. E para pessoas que estão estreando na sétima arte, posso dizer que fizeram um trabalho brilhante. O diretor britânico acertou em cheio nas escolhas que fez.

Os outros papéis chamam menos atenção, em parte pela maneira que o trio acima conduz a história. No entanto, tenho algumas ressalvas. Moura, como sempre, tem uma atuação ótima, mas nada que rouba a cena, pois José Ângelo, mesmo com seu papel essencial no roteiro de Richard Curtis, não protagoniza cenas marcantes. Talvez apenas aquela em que deixa a casa do patrão com a grana dele e as provas de seus subornos. Mello, por sua vez, me surpreendeu com a performance fria e maligna de Frederico, policial corrupto que não gosta de sujar as mãos, mas não tem problema nenhum em mandar os outros fazê-lo por ele. No entanto, eu queria que Daldry tivesse dado mais espaço ao papel, com mais cenas para o ator mostrar a crueldade do homem. Em uma parte, ele fica sozinho com Olivia, após descobrir sua ligação com os meninos, e nos dá arrepios porque não sabemos o que ele vai fazer. Mas fica nisso, nunca vemos como a polícia a interrogou na delegacia, por exemplo. O máximo de ruindade que vemos dele é conduzir o seu carro, enquanto outros policiais, no veículo da frente, jogam a direção de um lado para o outro, com Raphael no porta-malas. Sem dúvidas uma cena bem pesada de se ver e a expressão de tranqüilidade no rosto de Mello enquanto o menino se machuca chega a ser aterrorizante. Queria ter visto mais disso.

Mara e Sheen talvez tenham sido os mais mal explorados. Os personagens deles são apenas coadjuvantes na história, ok, mas ficaram muito figurantes ali, como se não tivessem exigido dos atores o seu potencial, e nunca somos informados sobre como foram parar no Rio. Em relação ao padre não me incomodei muito porque ele tinha toda uma comunidade com que se preocupar além dos garotos, mas Olivia foi desperdiçada. Mesmo com a talentosíssima Mara como intérprete e uma função importante no roteiro, Curtis não soube utilizá-la melhor; a meu ver, a presença dela poderia ter sido mais forte, seja com mais cenas dramáticas ou diálogos que nos revelassem mais sobre a personalidade e background dela.

Apesar dessas queixas em relação aos personagens, Trash tem uma narrativa bem construída e desenvolvida. A trilha sonora, então, com músicas do 3030, Maxime Ashley e Southpaw Swagger...perfeita. Uma mistura de rap, funk e MPB que encaixou certinho com o contexto da película. Tudo bem que seus acontecimentos são um tanto quanto mágicos – a revelação sobre a filha de José Ângelo é bem estranha e difícil de engolir -, pois realmente é difícil de acreditar que três meninos do lixão consigam enfrentar um político corrupto e a polícia, mas a mensagem de esperança e fé que permeia pelo filme é interessante. Ainda mais quando vivemos em um país com tantos problemas de corrupção e violência. Não faz mal a ninguém um filme do tipo neste momento!

Não, Trash não é Tropa de Elite 3. Arrisco dizer que até esperava um pouco mais de cenas pesadas, mas o foco da história não é apenas denunciar a violência da polícia ou a corrupção. O coração do filme tem três nomes: Raphael, Gardo e Rato e sua amizade e determinação para solucionar o caso da carteira. É a história e a personalidade divertida e ousada desses jovens que conquista o expectador; acompanhá-los nessa jornada vale a pena, sem hesitar. De certa maneira, tenho a impressão de que eles representam nossa sociedade, que, atualmente, sofre bastante e muitas vezes gostaria de fazer justiça por conta própria, como eles decidem fazer.









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