domingo, 8 de dezembro de 2013

Resenha: La Vie D'Adèle


A longa espera terminou e valeu a pena os sete meses desde o Festival de Cannes. La Vie D’Adèle – Chapitres 1&2 (Azul é a Cor Mais Quente, 2013) estreou no Brasil na sexta-feira e, em suas três horas de duração, apresenta uma das histórias de amor mais profundas, intensas e bonitas que eu já vi. Sim, o filme de Abdellatif Kechiche tem muitas cenas de sexo explícitas, mas elas fazem parte do romance entre Adèle (Adèle Exarchopoulos) e Emma (Léa Seydoux), convenhamos, já passou da hora de parar de polemizar demais por causa disso.

Antes de falar sobre o longa, preciso informar que ele é baseado livremente nos quadrinhos Le Bleu Est Una Couleur Chaude, lançado nos anos 2000. As protagonistas foram mantidas no roteiro do diretor, assim como alguns outros personagens, mas o desenrolar do enredo, alguns papéis e o desfecho foram alterados, inclusive o nome de Adèle, que originalmente se chama Clémentine.

Já disse aqui várias vezes que não gosto de adaptações que alteram muito o conteúdo primeiramente publicado, mas devo dizer que isso diz respeito às adaptações de histórias reais. No universo fictício, não vejo grandes problemas em mudar uma coisa ou outra da obra original; ainda mais quando são mudanças que respeitam a integridade dos personagens da história anteriormente criada e que, mesmo alterando uma coisa ou outra, são coerentes com o que foi feito na releitura.

Em La Vie D’Adèle, conhecemos Adèle, uma estudante do primeiro ano do Ensino Médio que leva uma rotina tranquila e pretende dar aula para crianças depois de formada. Vemos suas conversas sobre meninos com as colegas da escola, seu grande apetite – as cenas em que ela aparece comendo são hilárias – e, enfim, a transformação pessoal pela qual passa após cruzar com Emma, uma misteriosa estudante de Belas Artes de cabelos azuis, no meio da rua. O que acontece entre ambas é uma espécie de amor à primeira vista, algo que para a jovem protagonista muda completamente sua vida. Isto porque ela se envolve com um garoto do último ano do colégio e tem uma relação frustrada com o mesmo por causa de sua paixão por Emma, além de enfrentar o preconceito de algumas colegas de sala que a tratam com desgosto ao perceberem sua opção sexual.

É difícil explicar aqui o que se passa na telona porque nos 179 minutos de filme acontecem muitas coisas. Mesmo. Desde o período na escola, de suas primeiras experiências homossexuais, a vida compartilhada com Emma e a briga com ela, acompanhamos a evolução de Adèle e as transformações por quais passa no decorrer de sua juventude. Em outras palavras, Kechiche nos mostra várias fases da vida dela e os altos e baixos de sua personalidade e romance.

Em relação às polêmicas cenas de sexo, já adianto que são muitas. Porém, falar que é um pornô é exagero porque são cerca de dez minutos de cenas do tipo e o longa tem três horas, e as relações sexuais entre as personagens têm toda uma história rica por trás, de amor e atração. Como ainda existe todo aquele tabu em torno do sexo e as partes íntimas entre Adèle e Emma são quentíssimas, muitas pessoas podem ficar incomodadas. Não há nada de errado nisso, afinal, sexo é algo muito pessoal e assistir coisas do tipo de forma bastante explícita e sem pudor nenhum pode gerar desconforto e excitação. Eu mesma fiquei assim nos momentos mais intensos, mas, após muita reflexão, você entende que aquilo faz parte do roteiro, da história das duas, ou seja, sem o sexo, o filme jamais ficaria completo.

Outra coisa que merece destaque aqui é a brilhante direção de Kechiche. O cineasta usa e abusa de ângulos fechados nos rostos, corpos e olhares das duas protagonistas e as cenas de sexo são extremamente realistas e detalhadas. E como o azul é uma marca essencial de La Vie D’Adèle, vemos a cor percorrer a telona não só nos cabelos de Emma, mas também em roupas, objetos e no cenário (preste atenção que você vai perceber isso). Tem uma cena em específico, filmada no mar, que é belíssima. Kechiche, em uma só tomada, captura a depressão de Adèle, em função da falta que sente de Emma, e complementa aquilo com o azul do mar enquanto ela boia na água.

As atuações, nossa, nem preciso dizer que, sem elas, o filme não seria nada. Contar uma história dessas sem duas atrizes que tivessem uma química forte entre si não teria um resultado bom; fracassaria. Felizmente, Seydoux e a revelação Exarchopoulos fizeram um trabalho magnífico, perfeito. Seja com suas expressões, troca de olhares e diálogos muito bem interpretados, seja com o sexo impecável, as duas francesas dão performances inesquecíveis. Praticamente todas as cenas que dividem são de altíssimo nível, super naturais, como se víssemos ali Adèle e Emma e não as atrizes Adèle e Léa. Artistas de grande talento geralmente fazem isso; são, digamos, tomados pelos personagens que interpretam.

Sinceramente, ainda bem que Azul é a Cor Mais Quente foi selecionado para Cannes, venceu a Palma de Ouro e foi exibido em diversos festivais ao redor do mundo, pois, se fosse um sucesso restrito à França, talvez não o teríamos visto no Brasil. E isso seria um desperdício imperdoável; trata-se de uma das histórias de amor mais belas do cinema.



Imagem:

Reprodução/Texto e Cia

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