Imagem: Reprodução/Creative Break Mafia |
Cantinflas é, sem dúvidas, um dos maiores artistas da história do México e do cinema mundial. Ver sua biografia na telona seria algo interessante, é claro, pois teríamos a chance de conhecer seu passado, como se tornou o grande artista que foi e seu legado. Bom, Cantinflas (México, 2014) é uma adaptação que mostra em parte seus trabalhos, personalidade e vida pessoal, mas podia ter feito mais por ele. Deixou a desejar, ainda mais sendo uma produção de sua terra natal.
Dirigido por Sebastian del Amo, o longa se desenrola em torno da caminhada do ator – verdadeiramente chamado Mario Moreno Reyes - até Hollywood e o sucesso do clássico Around the World in 80 Days, que lhe rendeu um Globo de Ouro em 1956. A ordem não é cronológica; o roteiro optou por ir e voltar no tempo, sendo o presente o processo de produção da película por Mike Todd (Michael Imperioli) e o passado acompanhando um jovem Mario, antes do nome artístico Cantinflas (Óscar Jaenada) surgir, e ainda sem saber o que fazer da vida. Ele tenta ser boxeador e toureiro antes de virar comediante no circo, por exemplo. A vida pessoal dele também é explorada, como seu casamento de mais de 30 anos com Valentina Ivanova (Ilse Salas) e sua importância para a Associação Nacional de Atores do México, na qual foi presidente.
Eu gostei da narrativa psicológica e da direção de del Amo. Ele soube comandar o elenco muito bem, inseriu figuras marcantes na carreira de Cantinflas, como Todd, sua esposa, Miguel M. Delgado (Moises Arizmendi), diretor com quem ele fez mais de 20 películas, e Charlie Chaplin (Julian Sedgwick), um grande fã do mexicano. Jaenada também dá uma bela performance, personificando muito bem a maneira confusa de falar que o personagem Cantinflas tinha, sua incrível capacidade de improviso, os olhares engraçados e o jeito mulherengo de Mario Moreno – sua infidelidade é bastante retratada. Nos créditos, até vemos uma ótima recriação do famoso El Bolero de Raquel, que o ator estrelou em 1957.
No entanto, os contras são grandes. Primeiramente, é claro que o filme de Michael Anderson, vencedor de cinco Oscars, era importante ser incluso, mas o roteiro gira muito em torno dele, como se fosse a única coisa de destaque na carreira de Cantinflas. A vida dele não acabou em 1956. Parece que queriam terminar em seu auge com o Globo de Ouro (de fato uma conquista louvável para um artista que não fala a língua inglesa), mas temos aqui uma biografia. O mexicano ainda fez Pepe, um fracasso de bilheteria, mas que lhe rendeu outra indicação ao Globo de Ouro em 1961, fez diversos filmes em espanhol em parceria com a Columbia Pictures, enfrentou a dura perda de Ivanova em 1966, sem falar o seu legado. Até o verbo “cantinflear” foi incluído na língua espanhola em 1992, a fim de designar aqueles que tentam convencer os outros de que têm razão, sem necessariamente tê-la. Não me lembro de ter visto isso ser mencionado na telona, apenas que Cantinflas era confuso em alguns diálogos.
Em outras palavras, a adaptação parou em 1956, só que parou antes da hora. Talvez o enredo devesse ter dado mais espaço à vida de Mario Moreno e menos à produção conturbada de Around the World in 80 Days. Nem o passado familiar dele foi explorado direito. O ponto de partida é sua juventude, já com seus 20 anos, mas e seus pais, seus sete irmãos e as dificuldades financeiras de sua família? E o fato do motivo do nome artístico Cantinflas ser uma maneira dele não ser reconhecido pelos parentes? E o seu filho adotivo com Ivanova, pois os dois não podiam ter filhos? Parece muito conveniente passar mais de 100 minutos mostrando os problemas do ator nas gravações de longas e em seu casamento, mas terminar com sua estatueta do Golden Globes e apenas contando o resto de sua extensa carreira através de imagens. Muitas coisas negativas ficaram de fora, além de outros 37 anos que também tiveram momentos marcantes, mesmo não sendo necessariamente positivos.
Quem é Cantinflas afinal? O filme deu mais foco a um dos mais de 50 projetos que ele fez do que à sua própria vida. Trata-se mais de bastidores de Around the World in 80 Days do que de uma biografia bem apurada de Mario Moreno. Vemos como ele se tornou ator, sua história de amor com Ivanova, os problemas no casamento, amantes, mas ficou um enorme vazio. Como que fazem um filme querendo contar a vida de alguém e param quase 40 anos antes de sua morte? A vida de ninguém é perfeita e conseguir ser bem-sucedido em Holywood não é tudo. É um reconhecimento importantíssimo, sim, mas o roteiro errou em ignorar a outra parte da carreira do artista.
A seleção do México para o Oscar de 2015 é bem feita e conta com um bom elenco, mas deixa a desejar. E muito.
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