Imagem: Reprodução/Walter Mart Cinemas |
Desde o início de suas gravações, Gone Girl (Garota Exemplar, EUA, 2014) era uma grande promessa. Depois que foi lançado, a chuva de críticas positivas foram aparecendo e até mesmo Ben Affleck, geralmente considerado um ator mediano ou ruim, recebeu grandes elogios. Será que a adaptação que David Fincher fez do livro de Gillian Flynn realmente é sensacional? Bom, no quesito roteiro e direção, ela é, de fato, um excelente suspense. Porém, em relação ao ator principal, não digo o mesmo. Quem rouba a cena é Rosamund Pike e de lavada.
Transferir a obra de Flynn para as telonas não deve ter sido fácil, pelo contrário. Ela é dividida em três capítulos, sendo que a história é contada através do diário de Amy Dunne (Pike) e de relatos de seu marido, Nick Dunne (Affleck). Além disso, temos um conteúdo bastante complexo aqui, já que a personagem-título desaparece misteriosamente no início da produção e o homem, é claro, é um dos suspeitos. Ele jura que não é culpado, mas, no decorrer do filme, as descrições da mulher apontam fatos que o contradizem, então, acaba que o expectador fica na dúvida: ela está mentindo, ele está mentindo, ambos estão planejando algo juntos...?
A adaptação de Fincher começa e termina com a mesma cena: Amy deitada sobre os peitos de Nick, olhando para ele profundamente e ele questiona em sua cabeça “O que Amy está pensando?”. É como se fosse um ciclo. Esse é o ponto de partida, que apenas deixa no ar que a protagonista é uma pessoa imprevisível. Após vermos tudo o que aconteceu, o diretor resolve finalizar da mesma maneira. O ciclo perfeito.
A maneira que a direção e o roteiro, também escrito por Flynn, contam a história do livro também é feita muito bem. Apesar de parecer complexo, conseguimos captar a dinâmica da película, assim como vamos conhecendo os personagens aos poucos e as coisas vão sendo esclarecidas. É uma longa jornada, mas que não cansa nem um pouco. A cada cena descobrimos uma nova pista, a qual nos dá mais informações sobre o sumiço de Amazing Amy – personagem principal da série best-seller escrita pelos pais de Amy e que acaba virando o nome ao qual ela é referida por todos – e, já na segunda metade, somos surpreendidos praticamente a cada segundo.
O desfecho é igual ao do livro ou não? Como toda adaptação, o filme tem algumas mudanças e algumas cenas que foram deixadas de lado, mas o fim não tem nada de diferente. E pra quem gosta de happy ending, já aviso que temos aqui algo, digamos, polêmico e até revoltante. Depois de refletir sobre o jeito que as coisas se desenvolvem no enredo, você percebe que era o que iria acontecer mesmo. Naquele universo, é aceitável. Pra ser sincera, eu cheguei a questioná-lo e pensar “Como assim ninguém percebeu a existência de algo suspeito nessa história?”. Pode ter sido uma falha da própria Flynn ao não nos convencer direito de era possível termos aquele fim, mas as peças acabam se encaixando. Chato, mas você deixa passar, eventualmente.
O que me incomodou em Gone Girl de verdade foi a tão elogiada atuação de Affleck. Não é que ele esteja mal, pois ele não está. No entanto, não tem nada demais, ele apenas fez o seu trabalho. E o personagem de Nick combina perfeitamente com o americano, tanto fisicamente quanto psicologicamente. Você percebe que o cara é bonitão, forte e não demonstra muitos sentimentos, este último algo que o artista nunca foi muito bom em mostrar na telona. Ou seja, é claro que ele se sairia bem, interpretando alguém parecido com ele. A cena em que ele faz um discurso na primeira coletiva de imprensa e dá um sorriso é exatamente como no livro!
Por outro lado, ele ou o roteiro falhou em um detalhe: na obra, você tem a impressão de que Nick foi um mau marido para Amy e que realmente poderia ter algo a ver com o seu desaparecimento. No filme não. Em nenhum momento cheguei a cogitar que o personagem fosse o assassino. Ele faz coisas, digamos, estúpidas com a esposa, mas nada que faça o expectador duvidar tanto de sua inocência; o personagem parece mais um pobre coitado, acusado injustamente de algo que não fez, mesmo com pistas que provam o contrário.
Desi Collings (Neil Patrick Harris) deixou um pouco a desejar no mesmo sentido de Nick. Basicamente, ele é tido como o ex-namorado obcecado de Amy e que tentou se matar após o término da relação, mas, sob os olhos de Fincher, ele me pareceu apenas um homem totalmente apaixonado e que faria de tudo pra ter a amada de volta. Nenhum traço demasiado problemático, como o livro sugere em algumas partes.
Por isso que eu digo que o destaque de Garota Exemplar é Pike. A atriz já apareceu em longas conhecidos no passado, tais como Orgulho e Preconceito, 007 e, mais recentemente, Jack Reacher, mas com um papel tão importante e intenso, jamais. E com essa oportunidade que recebeu ela soube mostrar do que é capaz e, definitivamente, vai ter a chance de interpretar personagens parecidas no futuro. Não só o físico encaixou, como a maneira que ela dá vida à enigmática Amy. Você a ama, a odeia – eu, particularmente, virei fã – e é surpreendido da mesma maneira que Nick é. O jeito que Pike usa o olhar para mostrar as nuances da protagonista é espetacular. Essa sim foi uma personagem bem adaptada, ao lado de Margo (Carrie Coon) e Rhonda (Kim Dickens).
Garota Exemplar é um suspense provocante e que jamais permite ao expectador descobrir o seu
segredo até o momento em que os personagens principais o descobrem. De maneira geral, temos produções melhores em 2014, mas Fincher traz uma direção de altíssimo nível, como de se esperar dele, e a história é contagiante e aguça nossa curiosidade a todo momento. O elenco em si faz um ótimo trabalho, só que quem rouba a cena é Rosamund Pike. O filme é dela e só dela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário