domingo, 30 de março de 2014

Resenha: Blood Ties

Imagem: Reprodução/Facebook Oficial Blood Ties Film 


Pena. O sentimento que predominou em mim depois que vi Blood Ties foi pena. Pena porque era um dos filmes mais esperados de 2013, um dos longas mais badalados no último Festival de Cannes, conta com um elenco estelar, mas que acabou sendo um fracasso enorme tanto no país natal de seu diretor, França, quanto no resto do mundo (arrecadou cerca de $ 2 milhões, a partir de um orçamento de $ 25 milhões). Pena também porque essa adaptação de Les Liens Du Sang (França, 2008) e da obra “Deux frères flics et truand” tem alguns momentos marcantes, só que falha em seu roteiro e no desperdício inaceitável de suas atrizes.

Primeiro longa em inglês do antes promissor Guillaume Canet (Les Petits Mouchoirs, Ne Le Dis A Personne), trata-se de uma produção influenciada pelo amor do cineasta pelos anos de 1970 e diretores como Sidney Lumet, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e John Cassavetes. O que ele queria fazer era homenagear tal cinema e contar uma história de família comovente e emocionante ao som de clássicos da época. Uma iniciativa humilde e interessante e que não foi fácil para Canet, uma vez que ele teve vários problemas durante as filmagens nos Estados Unidos, já que por lá a produção de um filme não é como na França (o vencedor do César em 2007 teve várias oportunidades de dirigir filmes americanos mas recusou todas, só para constar). Ele mesmo chegou a dizer que Blood Ties foi como se ele estivesse fazendo sua primeira película.

Bom, mesmo com esses desafios, o francês foi muito bem-sucedido no que diz respeito ao cenário de Nova York de 1974 e aos figurinos. Os carros, as ruas e as roupas usadas pelos atores são impecáveis. Ele também contou com um ótimo cinegrafista, seu longo parceiro de data Christophe Offenstein, além de contar com a ajuda de James Gray na redação do roteiro. Ele foi de bastante utilidade nos detalhes da cidade e comportamento dos personagens. No entanto, penso que foi só nisso que ele contribuiu; a história mesmo acho que foi adaptada somente por Canet. Este até chegou a dar um tom mais interessante ao original Les Liens Du Sang - vale destacar que os nomes dos personagens são bastantes parecidos e algumas cenas também -, com uma duração de 20 minutos a mais e um desfecho, digamos, mais happy ending, já que o francês é bem mais trágico e, a meu ver, deixou a desejar.

Ela é sobre dois irmãos, um de cada lado da lei: Chris (Clive Owen) acaba de deixar a prisão após cumprir 12 anos em função de um assassinato, enquanto Frank (Billy Krudup) é um policial. Mega cliché, eu sei. Só que não fica para por aí. O drama foca no relacionamento conturbado dos dois e tenta explorar personagens coadjuvantes que fazem parte de suas vidas, como o pai doente Leon (James Caan), a irmã Marie (Lily Taylor), o gângster Scarfo (Matthias Schoenaerts) e o trio composto por Monica (Marion Cotillard), Vanessa (Zoe Saldana) e Natalie (Mila Kunis).

Resultado? O longa é uma novela. São muitas histórias paralelas e o diretor não consegue administrá-las muito bem na telona; a falha que derruba Blood Ties é exatamente o roteiro. É tanta coisa que não se consegue desenvolver direito os diálogos e os acontecimentos. Canet ficou tão preocupado em nos apresentar seus personagens que levou, por exemplo, uma hora para ação finalmente começar. Isto depois de uma abertura formidável ao som de “New York Groove” e a prisão de Scarfo (a canção é de 1978, mas a gente releva). Seria melhor ter feito uma minissérie ao invés de um longa-metragem, de verdade.

Vemos também uma cena em que Chris mata um tanto de gente do nada, sem sabermos os motivos, ou uma discussão entre Frank e Vanessa que começa em um bar e um minuto depois o diretor já corta para o apse dela – sem ouvirmos nada – e termina com os dois fazendo sexo em uma rua do Brooklyn. Ou uma parte em que temos a chance de conferir um dos poucos diálogos aprofundados e importantes da película, com Frank e Leon, e na cena seguinte o último já está em seu leito de morte. Oi?

Não termina aí. Uma das piores coisas que os roteiristas fizeram aqui foram as personagens femininas. Nunca vi tanto talento desperdiçado junto. Natalie é secretária de uma oficina e a garota de Chris – sim, ficou muito estranho ver Owen e Kunis juntos, não colou – e fica nisso; ela só aparece para dar uns beijinhos nele e sofrer em suas mãos, pois ele, é claro, volta ao mundo bandido. Já Vanessa é uma pobre coitada. Sofreu no passado com a vergonha que Frank sentia dela por ser negra e agora tem uma filha com o perigoso Scarfo. Felizmente, Saldana e Kunis conseguem fazer milagre com as personagens fracas que receberam. Taylor, nossa senhora, essa não teve como fazer nada; é uma figurante como a irmã dos protagonistas. Ridículo.

Monica, por sua vez, merece um parágrafo só pra ela, pois é interpretada pela namorada do diretor. Ela é mãe dos dois filhos que teve com Chris, viciada em drogas e sofre com a rejeição do homem e solidão (mais uma que fica dependendo de homem aqui). Cotillard só teve, praticamente, papéis coadjuvantes em Hollywood depois que ganhou o Oscar em 2008, mas papéis em filmes bons – Public Enemies, Contagion, Midnight In Paris - e que lhe permitiram participações essenciais na história. Era de se esperar que o amor de sua vida lhe desse uma personagem à sua altura, só que não. Ela está ótima como sempre e sua presença dá bastante vida ao roteiro parado, mas mal aparece na película e ainda me é italiana. Digo isto porque você só realmente percebe que ela é da Itália no clímax, quando solta os cachorros em cima de Chris na língua do país. Antes disso, a atriz fala inglês como se fosse uma francesa. Se Christopher Nolan falhou em deixar a última cena dela em The Dark Knight Rises ir pro corte final, Canet errou feio, errou rude, em permitir que ela apresentasse uma variedade de sotaques em Blood Ties. Cotillard merecia melhor, especialmente vindo de um homem que a conhece como ninguém e sabe de sua capacidade. Tenho até minhas dúvidas se ela faria esse filme caso não fosse Canet dirigindo. É o amor...pode ser cego às vezes.

Falando assim parece que a produção inspirada pelos grandes cineastas dos anos 70 é horrível. Não é não. A trilha sonora – com exceção da produzida pelo cantor Yodelice - é um prato cheio e uma boa sessão nostalgia, com hits como “Bad Girl”, “Sugar Baby Love”, “Money Is” e “Heroin”. Em algumas partes, Canet forçou na utilização das canções e tornou-as um tanto quanto inadequadas ou óbvias demais, mas, de forma geral, acertou. Como já disse anteriormente, as atuações do elenco salvam o filme do fundo do poço também. Temos algumas cenas memoráveis, como o primeiro beijo de Chris e Natalie ao som de “Crimson and Clover”, a cena final que evoca o inesquecível Serpico (1973) e a parte em que a câmera segue, em câmera lenta, as costas de Monica e acompanha a sua troca de olhares com Chris em um bar.

Blood Ties é um drama gostoso de assistir e traz uma história comovente. Só que para uma película que pretende ser uma homenagem a clássicos como French Connection, The Godfather, Carlito’s Way e The Goodfellas, Guillaume Canet passou longe de apresentar protagonistas carismáticos ou envolventes - Natalie, Monica e Vanessa são muito mais interessantes - e, principalmente, cenas de ação. O que temos aqui não é um banho de sangue e sim um banho de drama. As coisas só esquentam na segunda metade e, mesmo assim, com alguns minutos de perseguição de carros e tiroteios eletrizantes. Até James Gray, conhecido por seus melodramas familiares, já conseguiu fazer melhor em longas como Little Odessa, The Yards e no próprio We Own The Night, que é bem similar ao de Canet. Se tivessem vendido que o foco ali era a relação entre dois irmãos e não um conflito entre um policial e um gângster nas ruas do Brooklyn, talvez o resultado tivesse sido um pouco diferente.

Bem como o diretor falou em diversas ocasiões, fazer um filme nos Estados Unidos foi uma experiência difícil e fica claro aqui que realmente parece ser sua primeira experiência atrás das câmeras. É mais um filme de aluno de cinema, ainda cru, do que de um cineasta que recebeu atenção internacional com o brilhante Ne Le Dis a Personne em 2006. Desde então, o francês vem mostrando que tal suspense foi um momento único de inspiração em sua vida. Que pena.


OBS: o filme termina com uma imagem congelada. Seria o desfecho perfeito, não fosse por esse detalhe bizarro. Não, não e não! Isso é uma picuinha minha, eu sei, mas tenho problemas com fins do tipo desde que Alfonso Cuarón terminou Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban da mesma maneira. O próprio Canet fez isso em Les Petits Mouchoirs também e foi tosco. Ne faites pas ça, s'il vous plaît. Ponto. 








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