quarta-feira, 19 de março de 2014

Resenha: Nymphomaniac - Volume 2

Imagem: Reprodução/Cinema Scope

Gênio. A segunda parte de Nymphomaniac é simplesmente um trabalho de gênio de Lars Von Trier. Sua direção carregada de humor, escuridão, reviravoltas e, é claro, sexo e violência, dá ao filme o desfecho perfeito para história de Joe (Stacy Martin/Charlotte Gainsbourg). Sair do cinema surpreendida é uma coisa rara que acontece conosco, mas o dinamarquês fez isso com louvor aqui.


Neste segundo volume – ainda acho que o longa deveria ter sido exibido inteiro -, acompanhamos a vida da protagonista a partir do quinto capítulo, quando ela desenvolve ainda mais seu relacionamento com Jerôme (Shia Labeouf) e acaba tendo um filho com ele. O problema é que o vício dela em sexo continua e manter uma relação saudável com o jovem não será algo fácil; muito menos com seu filho no meio. Ademais, vemos outras experiências da mulher com diversos parceiros, incluindo dois africanos, uma adolescente e uns experimentos com o sado-masoquismo, sob tutela de K (Jamie Bell).

Descrições à parte, o que Von Trier discute mais em profundidade aqui é a solidão de Joe, algo já evidenciado no volume 1, o machismo e a descoberta que ela tem de si mesma com o passar dos anos. Vemos a personagem enfrentar uma forte crise de identidade, a qual a faz questionar sua condição de ninfomaníaca e tentar mudar isso, já que a sociedade não a aceita do jeito que é. Ao mesmo tempo, ela também percebe, ao lembrar de seu pai (Christian Slater) e sua história com as árvores, que talvez esta seja sua natureza e que nada impede que ela viva com isso sabendo se controlar. Será que realmente precisamos abrir mão de quem somos porque os outros condenam isso? Ou será que nós podemos ser nós mesmos, mas controlando nossas desejos mais fortes? Joe é ninfomaníaca sim, só que isso não quer dizer que ela vai transar com qualquer cara que ver pela frente.

Um personagem que aparece na vida da protagonista é um homem que se sente excitado ao ver ou ouvir falar sobre crianças, mas que nunca fez nenhum mal a elas. Ele é um monstro por isso? Não estou defendendo-o, quero deixar claro; apenas quero dizer que nós podemos não ter controle total sobre o que sentimos ou pensamos. Que atire a primeira pedra uma mulher ou um homem comprometido que nunca se sentiu atraído por outra pessoa ou que já pensou em fazer coisas bem bizarras mas conseguiu se segurar! Nymphomaniac é uma película que tenta nos mostrar que nós podemos controlar essas vontades, basta ter determinação e força. Bem interessante essa discussão que o diretor polemiza.

Em relação aos diálogos, a narrativa segue a mesma forma do primeiro volume. Temos Joe e Seligman (Stellan Skarsgård) em uma conversa que se estende pela noite toda, na qual o homem também revela um segredo que explica muita coisa, principalmente o porquê de saber tanto sobre o mundo – com direito a um comentário hilário de Joe quando ele cita uma história bem chata após um relato dela. As edições recheadas de humor de Von Trier continuam, as quais são responsáveis por boa parte das risadas que escutamos dos expectadores no cinema. A maneira que ele ilustra os exemplos de Seligman é divertidíssima!

Porém, a cena mais marcante, a meu ver – além do fim, que, obviamente, não vou revelar qual é -, é uma em que o cineasta faz uma auto-referência. Em um momento de negligência e incapacidade de se controlar, Joe deixa o filho pequeno dormindo em casa sozinho e, como típico de um drama, o garoto acorda, sai do berço e vai em direção à janela. Lembrou de algo? Sim, quase que a mesma cena de Anticristo (2009) e até com a mesma trilha sonora. Você pode pensar: “Nossa, que cara egocêntrico é esse que refere a si mesmo no próprio filme?”. Mas, convenhamos, ele pode; seu estilo permite que ele faça isso e não fique tosco. Por isso que ele é Lars Von Trier.

A única coisa que me incomodou foi uma picuinha mesmo. A primeira delas é que a garota que interpreta Joe na infância tem olhos azuis e Martin e Gainsbourg têm olhos mais escuros. Ou quando a transição das duas atrizes principais é feita, Labeouf continua como Jêrome e só depois que outro ator o substitui no papel. Não acho que isso tenha passado batido; vai ver Von Trier fez isso porque quis mesmo, pois estava mais preocupado com o roteiro do que com questões estéticas. Não o puno, mas que ficou estranho ficou.

Após quase três anos desde Melancolia, o dinamarquês fez em Ninfomaníaca um trabalho excepcional. Pode ser polêmico por causa da enorme quantidade de nudez e sexo, pode ser pesado por causa das cenas duras e desagradáveis que assistimos. Esse é o jeito do homem fazer cinema; é impossível agradar a todos. No entanto, pra ser sincera, acho que o público que o admira é bem seleto por causa da abrangência de seus longas. Se os mesmos tivessem maior distribuição nas salas ao redor do mundo, talvez a quantidade de pessoas que o admirassem fosse bem maior do que é hoje. Algumas vezes parece que dizer o nome dele é o mesmo que dizer Voldermort no mundo mágico de Harry Potter, mas não é bem assim. Um dia, esqueça o buzz que a mídia faz de suas películas e assista-as. É diferente do cinema mais comercial, é claro, só que não tem nada demais; preocupe-se mais com a mensagem que ele passa do que com como ele faz isso - que também pode ser bastante divertido, vale lembrar!




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