Imagem: Reprodução/E! Online |
Steve McQueen tem apenas 44 anos, mas já se tornou um dos cineastas mais respeitados e aclamados do cinema. Ele chamou atenção com Hunger (2008), três anos depois apresentou o filme que tornaria Michael Fassbender um dos atores mais cobiçados do mundo, Shame (2011) e, agora, chegou a vez de conquistar a crítica e o público mais uma vez, com a adaptação bastante fiel do livro 12 Years A Slave, escrito pelo protagonista da história, Solomon Northup.
Como disse em várias resenhas passadas e volto a repetir, adaptar um livro, quadrinho,etc, é complicado, especialmente no que diz respeito à interpretação dos personagens e a fidelidade ao que foi já escrito. Alterações no roteiro são normais, desde que não façam diferença na história, assim como a invenção de alguns fatos para dar mais dramaticidade. Afinal, trata-se de um drama histórico e a audiência quer se emocionar e se envolver profundamente com a história contada. Porém, o longa de McQueen faz algo que muitos que já vi não fizeram: é extremamente fiel à realidade contada no livro de 1853 (pelo menos com base nas comparações que li sobre filme e livro).
Resumidamente, a história é sobre Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor), um homem livre de Saratoga, Nova York, que é um respeitado violinista e carpinteiro e tem uma esposa e dois filhos. Em 1841, ele é convidado para jantar com dois homens e acaba sendo envenenado e sequestrado, para depois ser vendido como escravo para o estado de Louisiana, sob o nome de Platt. Ele permanece em tal condição por 12 anos, até ser ajudado pelo canadense Samuel Bass (Brad Pitt) e conseguir voltar pra casa. Porém, até recuperar sua liberdade, ele come o pão que o diabo amassou e até cruza com o dono de uma plantação de algodão que é quase que a encarnação do demônio.
O que mais chama a atenção no roteiro de John Ridley é como que ele muda pouco a história contada na obra original. Entre elas, o fato de Northup ter três e não dois filhos, o escravo que está em seu barco morrer de sarampo e não assassinado por um membro da tripulação que queria estuprar uma negra, ou o roteirista ter omitido alguns acontecimentos específicos (Bass conversou com ele várias vezes antes de enviar a carta que o libertaria e Solomon chegou a pedir para outra pessoa ajudá-lo com a carta antes mesmo de chegar à Louisiana, por exemplo).
Entre as invenções, temos uma conversa entre Solomon e Mistress Shaw (Alfre Woodard), esposa negra de um dono de terra, a cena em que a escrava Patsey (Lupita Nyong’o) pede que o protagonista a mate e as constantes agressões de Mary Epps (Sarah Paulson) à jovem. São coisas que podem não ter acontecido, mas que são lógicas na versão adaptada por McQueen e não alteram a identidade do personagem principal e o que ele viveu de fato. E nem os outros.
Outra coisa que o diretor fez com primazia é a maneira com que nos mostra todo o drama, dor, violência e tristeza de Northup durante todos aqueles anos na escravidão e separado da família. É a cena em que Tibeats (Paul Dano) tenta enforcá-lo e ele se salva mantendo os pés no chão durante horas até a chegada de William Ford, o que também pareceu horas para nós na sala escura (Benedict Cumberbatch); a cena em que uma escrava usa as mãos dele para sentir prazer em si mesma e depois começar a chorar após segundos de orgasmo porque tem que voltar para aquele inferno em que vive na terra; ou a parte em que Epps força Solomon a castigar Patsey e vemos o sangue sair das costas da jovem, enquanto ela abraça uma árvore. Assim que o dono da terra deixa o local, Solomon a desamarra e vemos no chão um pequeno sabonete que ela havia ganhado de Shaw para poder se limpar no banho.
O filme é duro. Muito duro. Tão duro que eu, que nunca havia chorado no cinema em meus 24 anos de vida, chorei. Ver seres humanos fazerem aquilo um com o outro, ver Epps e sentir um ódio enorme dele por todas as atrocidades que faz e ainda saber que ele fazia pior na realidade (além de estuprar Patsey e fazer seus escravos exaustos acordarem no meio da noite para dançarem, parece que ele também os agredia somente por diversão quando chegava em casa bêbado), é de doer o coração. E ainda me põem a câmera focada nas expressões faciais de dor dos personagens ou em seus corpos feridos...
Ter um diretor como McQueen por trás das câmeras que permite essa intensa, traumática e inesquecível inserção nos terríveis 12 anos que Solomon Northup passou como escravo. Com ele não tem piedade; ele apresenta tudo de forma seca, direta e sempre atento aos mínimos detalhes. Seu elenco também contribui para o resultado magnífico que vemos na telona. Ejiofor expressa com louvor todas as dores, alegrias e esperança de Solomon (a parte em que canta “Roll Jordan Roll” é belíssima); Nyong’o dá vida a esforçada, mas explorada e maltratada Patsey com tamanha perfeição que, sinceramente, não tem como não se comover com seu sofrimento; e Fassbender, meu deus...se em Django Unchained o Leonardo DiCaprio foi bastante cruel como outro senhor de terra que não tem piedade com os escravos, o alemão é o terror em pessoa. Não só pelas coisas que faz, mas pelos diálogos e falas monstruosos que o ouvimos dizer. Mais uma performance incrível na carreira do ator!
Se tem um filme que apresenta a escravidão nua e crua, na sua forma mais detestável, é 12 Years A Slave. É triste? Demais. Mas é uma oportunidade de ver a obra-prima de um diretor que vem se tornando cada vez mais um dos mais brilhantes do cinema, além de conferir um elenco de altíssimo nível, que vive na telona o período da escravidão como se estivéssemos lá, ao lado dos verdadeiros Solomon, Patsey, Epps, Bass e Ford. E, convenhamos, é uma linda história sobre respeito, determinação, amor e solidariedade; ela vai te emocionar sem dúvidas.
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