sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Resenha: Inside Llewyn Davis

Imagem: Reprodução/Dinâmico FM

A vida complicada de um músico em uma jornada pela cena folk de Nova York de 1961. Uma jornada recheada de canções clássicas do gênero, uma fotografia magnífica e um roteiro instigante. Inside Llewyn Davis é uma bela história sobre a luta de um homem para sobreviver fazendo aquilo que ama, apesar de todos os problemas que enfrenta todos os dias para se manter.

A produção dos irmãos Ethan e Joel Cohen é levemente baseada – não é uma biografia, vale lembrar - na vida de Dave Van Ronk, um artista folk da mesma época mostrada na película, mas que somente tem algumas coisas em comum com Llewyn Davis (Oscar Isaac). Os cineastas inseriram no roteiro algumas anedotas do livro de memórias dele, The Mayor of MacDougal Stree, como uma rápida e gelada viagem a Chicago para um teste no Gate Of Horn, o período que passou com os mercadores da marinha ou uma reclamação ao gerente de sua gravadora sobre a falta de dinheiro e sua incapacidade de comprar até um casaco para o severo inverno da cidade. A capa do vinil do personagem também é idêntica à de Van Ronk, com o título “Inside Llewyn Davis”, enquanto a verdadeira chama-se “Inside Dave Van Ronk”.

Porém, é basicamente isso em comum. A personalidade mais séria, problemática e um pouco desagradável, a dificuldade em encontrar sucesso com a música, o fato de dormir em um sofá diferente a cada dia, por exemplo, não representam o verdadeiro artista. Tudo isso faz parte do personagem criado pelos diretores, traumatizado pelo suicídio de um parceiro musical e que sofre para conseguir sobreviver com pequenos shows, já que seu disco não vendeu o esperado. Além disso, ele descobre que pode ter engravidado a amiga Jean (Carey Mulligan), que vive com o cantor bem-sucedido Jim (Justin Timberlake), e tenta buscar uma solução para a situação. Temas como aborto e depressão são discutidos bastante aqui.

Os sete dias da vida do compositor são intensos, duros e extremamente dramáticos, com apenas algumas cenas cômicas (a performance de “Please Mr. Kennedy” é divertidíssima!). Quanto mais somos inseridos na rotina de Davis, mais vemos seus defeitos, qualidades e chegamos até a ter pena do cara. Pena porque, mesmo sendo um grande músico, não emplaca a carreira, tem altos e baixos com as pessoas que fazem parte de sua vida ou não – são muitos os personagens passageiros, que o diga John Goodman, Adam Driver e Garrett Hedlund! -, tem que arrumar um lugar novo pra dormir todo dia e passa frio o filme inteiro. Sério, você sente frio por ele ao vê-lo no inverno congelante dos Estados Unidos e com somente um casaco, seu violão, um gato e uma pequena bolsa com roupas.

Algo que percebi depois que o longa terminou, apontado por Terri Thal, ex-mulher de Van Ronk, foi que Inside Llewyn Davis nunca se aproxima da música de maneira profunda. Sim, é um filme sobre a arte e cujo cenário é o folk na sua era de ouro, mas os irmãos Coen não chegam a falar sobre o modo de fazer daquelas lindas canções que vemos o elenco cantar. De onde e como elas foram produzidas? Davis é supostamente um exímio compositor, só que nunca o vemos escrevendo uma faixa; vemos ele brincando com o violão de vez em quando. Um longa que tenta nos inserir naquele contexto musical deveria ter mostrado com mais profundidade o amor que aquelas pessoas sentem pelo fazer música. Que eles amam não temos dúvida e várias cenas comprovam isso. Agora, o processo de criação realmente deixou a desejar. Quais as inspirações para tal? Sinto que faltou até um maior desenvolvimento do parceiro morto do protagonista, já que o falecimento dele afetou bastante a carreira e vida pessoal do último.

Thal, por exemplo, chegou a elogiar bastante a produção e reconhece que o objetivo da mesma não era ser uma biografia dele. No entanto, no texto publicado no Village Voice em dezembro, ela chama atenção para o que eu falei anteriormente, além de umas observações específicas sobre o cenário e o roteiro, especialmente a discussão do aborto na história – foi abordado de maneira muito simplista para algo que, na década de 1960, era extremamente delicado e ilegal -, a falta de simpatia da maioria dos personagens e os bicos de Davis no estúdio, algo que, segundo ela, não acontecia até então com cantores como ele.

De maneira geral, Inside Llewyn Davis é belíssimo e emocionante. Definitivamente entrou na minha lista de filmes com as fotografias mais encantadoras, ao trabalhar com perfeição a iluminação, super adequada para o estilo musical do personagem principal, e dar um tom frio àquela uma semana de luta do mesmo. Créditos ao francês Bruno Delbonnel! Não preciso nem dizer que a trilha sonora é impecável e pode até lhe incentivar a conhecer melhor a folk music. Como não se encantar com "Fare Thee Well" e "The Death Of Queen Jane"? Timberlake já sabemos que sabe cantar muito bem e Mulligan já mostrou seus dotes em Shame (2011), mas Isaac foi uma ótima surpresa. Sua atuação também é fenomenal; ele rouba a cena dando o tom monótono, depressivo e, às vezes, irônico demais de Davis..

O roteiro pode ter falhado em dar um maior foco à produção musical, algo que Ray, Walk The Line, Once, 8 Mile e La Môme fizeram com maestria no passado, mas, de maneira geral, é bem elaborado e bastante envolvente. Acompanhar a jornada de Davis é uma delícia, mesmo sendo difícil vê-lo sofrer tanto. Ah, e o fim vai fazer o coração de muitos bater mais forte...







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