segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Resenha: Robocop

Imagem: Reprodução/Almanaque dos Sentidos

Quem viu o primeiro Robocop, lançado em 1987, vai encontrar na nova versão de José Padilha um protagonista bem diferente. Se naquele ano conhecemos um Alex Murphy que havia sido morto por criminosos e revivido na máquina super poderosa da Omni Consumer Products, 27 anos depois o policial sofre uma tentativa de homicídio que o deixa somente com a cabeça e uma mão, mas vivo. Talvez seja esta, então, a maior mudança do novo filme: a humanização do herói.

O diretor brasileiro manteve muitas características do original, como o barulho da armadura, o modo de falar e algumas características dos personagens. Em relação a estes, temos a família de Murphy, um parceiro policial, o ambicioso presidente da OmniCorp, o criador de sua máquina e um apresentador de televisão bem escrachado. O compositor Pedro Bromfman também utilizou como referência em “Title Card” o tema oficial de 1987, feito por Basil Poledouris. Ela aparece na abertura, preste atenção!

Porém, a produção escrita por Joshua Zetumer, de maneira geral, altera em muitas coisas a história da anterior. Como disse no primeiro parágrafo, Murphy (Joel Kinnaman) não morre ao tentar ser assassinado por Antoine Vallon (Patrick Garrow) e dois policiais corruptos de seu departamento. Ele permanece vivo graças à permissão que sua esposa Clara (Abbie Cornish) concede à OmniCorp para inseri-lo em um robô - em uma cena bastante breve para uma decisão dessas, a meu ver; não precisava ser tão corrida assim. O objetivo do CEO da empresa, Raymond Sellars (Michael Keaton), é construir um homem/máquina carismático e convencer a população estadunidense de que a melhor opção é colocar robôs nas ruas, a fim de promover a melhor segurança possível aos cidadãos do país. Isto porque tais máquinas já estão presentes em diversos países ao redor do mundo, até mesmo no Brasil, e somente nos Estados Unidos que o senado não aprovou sua implantação. Ah, ele ganharia muito mais dinheiro com isso também, é óbvio. Então, por que não colocar um humano na rua, mas com as habilidades técnicas e táticas de um robô?

Como o agente ainda está vivo, sua memória e atitudes continuam funcionando, o que o torna mais humano no fim das contas. Tão humano que isso poder atrapalhar os planos da OmniCorp, já que o homem/máquina começa a querer solucionar o próprio crime que sofreu e não prender os criminosos que seu sistema lhe indica para perseguir (na versão antiga, Robocop procurava por crimes em progresso, enquanto no novo ele procura por criminosos, independentemente de estarem cometendo crimes. Aí que chega a discussão em torno da privacidade, uma vez que o personagem tem acesso às câmeras de vigilância de toda a cidade de Detroit). Além disso, vemos aqui uma análise profunda do relacionamento de Alex com sua esposa e filho, algo que não aconteceu nos outros filmes do Robocop. Isso acaba dando um tom mais dramático à película.

Outra mudança marcante na versão de Padilha são as cenas de ação. Elas são extremamente bem feitas e eletrizantes – aquela em que Robocop vai atrás de Vallon é sensacional -, muitas vezes lembrando até jogos de tiro de primeira pessoa quando a câmera está na cabeça do protagonista e vemos vários dados na tela. Ademais, diferentemente do original, a roupa de Murphy é preta e ele anda a maior parte do tempo em uma motocicleta C-1. Ao contrário do filme de Paul Verhoeven, não temos aqui imagens de sangue jorrando ou mortes, digamos, bizarras – lembra da cena dos estupradores? A única cena do tipo que pode nos chocar é aquela em que o médico Dennet Norton (Gary Oldman) mostra para Murphy o que sobrou de seu corpo. Ela é tão assustadora que é capaz de gerar risos, pois é realmente muito difícil de acreditar que o homem esteja vivo após perder, praticamente, todas as partes do corpo.

O que permanece com mais força? O tom crítico, que dá humor ao filme de 2014. Se a dramaticidade da história pessoal de Murphy é explorada mais intensamente e as batalhas entre os personagens não são nada trash ou engraçadas, o apresentador Pat Novak (Samuel L. Jackson) aparece para manter o sarcasmo do original. Só que, desta vez, as críticas feitas na história são direcionadas ao militarismo, privacidade e, sobretudo, ao imperialismo estadunidense. Se Novak já é um homem extremamente parcial – pró-robôs – e deixa isso claro na condução de seus programas, ele também é o retrato do americano que pensa que seu país é superior a todos e tem o direito de se intrometer em questões de segurança de outros países. A última frase dele então, dizendo que os EUA é o melhor país do mundo em um tom raivoso e firme, é hilária de se ver!

Não sou fã de Robocop, tenho que admitir. No entanto, achei o remake de Padilha de altíssimo nível quando falamos em efeitos especiais, som e cenas de ação. Além disso, considero muito ousado o roteiro de Zetumer e o fato dele ter tornado Alex Murphy mais humano; foi uma abordagem interessante. O problema disso é que o personagem, originalmente, não tinha tal perfil e o tom daquele filme era mais cômico. Em função da maior seriedade em grande parte do roteiro e da alteração algumas características do protagonista, pode ser que os fãs não gostem tanto do que Padilha fez. Quem espera algo como o longa de 1987, já aviso que, mesmo sendo uma boa sessão nostalgia – o uniforme do primeiro Robocop chega a aparecer em uma cena específica -, é uma releitura distinta. Talvez tenha sido aí que o cineasta tenha pecado; a intenção foi boa, mas o resultado passou dos limites da infidelidade à identidade do original.







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