Imagem: Reprodução/Le Cinema Du Ghetto |
Quando falo de Nynphomaniac (Ninfomaníaca, 2013) com alguém, geralmente me perguntam: “é bom, é pesado?”. Pesado porque tem muitas cenas de sexo e nudez? Com certeza. Porém, não entendo a razão pela qual nós temos tanto problema em ver cenas do tipo no cinema; talvez porque sejam coisas íntimas demais e o público fique constrangido ou excitado em vê-las. Enfim, o filme tem muito erotismo sim, mas era de se esperar, afinal, ele conta a história de uma ninfomaníaca e suas aventuras sexuais. E outra: estamos em 2014, por que tanto tabu em torno disso tudo?
Se o público parar de se preocupar com todo o conteúdo “pesado” - nem é tão perturbador como eu pensava - e der uma chance ao longa de Lars Von Trier, vai ver que ele vai muito além do sexo. Joe, brilhantemente interpretada pela revelação Stacy Martin e Charlotte Gainsbourg, é uma personagem extremamente complexa e carrega, acima de tudo, muito mistério e uma avalanche de sentimentos e facetas. Ela é viciada em sexo e vemos isso com clareza na telona, mas o diretor discute outros temas aqui e complementa seu roteiro com personagens provocantes e intensos, os quais marcam o percurso da protagonista e ajudam na nossa compreensão desta.
Na primeira parte da história – devido à longa duração da película, de quatro horas, ela foi dividida em dois, sendo que ainda teve algumas cenas de sexo explícito censuradas -, temos a chance de ver cinco capítulos da vida de Joe, enquanto ela, já na fase adulta, narra-os a Seligman (Stellan Skarsgård), homem que a encontra machucada perto de seu prédio e resolve ajudá-la. O cineasta dinamarquês nos apresenta a mulher desde bebê, passando pela infância, adolescência e juventude e todos os acontecimentos que a levaram até ali. Temos a cena que mostra como ela descobriu sua vagina aos dois anos de idade, as brincadeiras sexuais com a amiga de infância, a perda da virgindade, uma bizarra competição de sexo em um trem, a esposa ciumenta de um caso, magistralmente interpretada por Uma Thurman em uma das cenas mais bizarras e polêmicas da película, entre outros.
Por outro lado, Von Trier também introduz o lado amoroso e doce de Joe. Ela, que repetidamente se diz um ser humano maldoso por causa das coisas que já fez, enquanto Seligman sempre tenta argumentar contra com exemplos de seu vasto conhecimento sobre o mundo, acaba se mostrando uma pessoa que precisa de algo que qualquer outra precisa: dar e receber amor. Ademais, o que ela fez e que, em alguns casos, machucou os outros, foram conseqüências de sua condição, sim, só que também da sua falta de responsabilidade e maturidade, solidão, impulsividade...características comuns de muitos jovens.
Pegando exemplos do filme, até uma parte de sua juventude, Joe tinha uma relação carinhosa com o pai (Christian Slater); com a mãe, as coisas eram completamente diferentes. Depois da morte dele, parece que ela ficou praticamente sozinha no mundo, sem alguém em quem confiar completamente. As cenas em preto e branco que mostram os últimos momentos dos dois são de dar dó, assim como a maneira com que ela se refugia no sexo para lidar com isso. No que diz respeito aos parceiros, ela e um grupo de garotas têm um combinado de jamais repetir o homem, mas ela acaba sentindo algo mais forte por Jerôme (Shia Labeouf).
Agora, junte tudo isso que eu falei com analogias entre a pesca e o ato sexual, diálogos comoventes, duros e, em certas ocasiões, hilários, uma trilha sonora agressiva com Hammstein e Steppenwolf, e uma edição que utiliza diversas imagens ilustrativas relacionadas ao sexo – nunca vi tanto pênis na minha vida! – e ao conteúdo inserido pelo dinamarquês nas falas dos personagens. Você não assiste a isso todo dia. Como um amigo meu me respondeu após a exibição do longa, quando lhe perguntei o que tinha achado: “é diferente”. Lars Von Trier é um dos poucos cineastas que chama nossa atenção com sua maneira de expor suas ideias; ao invés de fazer um filme simples e sem ousadia, ele nos provoca, choca e mostra de forma crua o que outros fariam com mais sutileza e, convenhamos, com menos criatividade.
Em outras palavras, Ninfomaníaca – Volume 1 é uma grande obra de Von Trier e, sinceramente, jamais deveria ter sido dividida em duas partes e censurada. A distribuidora daqui poderia ter, pelo menos, lançado a versão censurada por inteiro, dando um intervalo no cinema, como foi feito na Dinamarca. É uma pena ver a história de Joe ser interrompida no capítulo cinco, uma vez que já estávamos totalmente submersos na mesma quando os créditos rolam e algumas cenas dos próximos capítulos aparecem na tela, dando ainda mais vontade de permanecer na cadeira e ver o que vai acontecer.
O sexo faz parte do roteiro, obviamente, e admito que as cenas podem, digamos, deixar-nos envergonhados ou excitados em público (imagine então na versão sem cortes!). Mas estamos no século XXI e o longa é restrito a maiores de 18 anos. Quem se sente incomodado que não assista; não tire conteúdo da produção por isso. La Vie D’Adèle tem bastante conteúdo erótico e por isso foi censurada? Não. Aquilo era parte da história, assim como a grande quantidade de sexo explícito é parte da narrativa de Von Trier. Porém, se for realmente necessário, melhor do que não exibir o trabalho dele.
Resta aguardar o Volume 2 e a versão completa de Nymphomaniac, de cinco horas e meia. Não se sabe quando e se ela vai, de fato, chegar aos cinemas, mas poderemos ter uma noção do que esperar em fevereiro, quando a primeira parte, sem cortes, será exibida no Festival de Berlim.
Nymphomaniac Official Trailer from Zentropa on Vimeo.
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